Cabo da Polícia Militar é preso como suspeito da morte de Manuela Otto
Jeremias Silva se recusou a mostrar a marca em depoimentos, mas uma foto confirmou que ele é o homem que fugiu da cena do crime em Manaus.

Uma fotografia encontrada na residência do policial militar Jeremias da Costa Silva confirmou que ele é o homem que aparece com uma arma nas mãos, sem camiseta e com uma tatuagem nas costas, fugindo do motel onde foi morta com dois tiros a atriz e ativista trans Manuela Otto, de 25 anos. Com a prova, a Justiça do Amazonas decretou na quarta-feira (17) a prisão preventiva de Jeremias da Costa Silva por suspeita de crime de homicídio por motivação transfóbica. O policial se entregou na tarde desta quinta-feira (18) e foi recolhido ao Batalhão de Guardas, no bairro Monte das Oliveiras, na zona norte de Manaus.
Conforme a investigação, a fotografia foi necessária porque Jeremias Silva, que é cabo da PM, se recusou a tirar a blusa e mostrar as costas para confirmar se tinha a tatuagem, quando se apresentou para depoimento na Delegacia Especializada em Homicídios e Sequestros (DEHS) no domingo (14). Ele também ficou em silêncio durante as perguntas feitas pelo delegado sobre o caso e disse que só se pronunciará na Justiça. Na ocasião, Jeremias foi liberado.
“Temos que lembrar que naquela ocasião (no dia do crime), o suspeito cobriu o rosto e só estava aparente suas costas, onde aparecia essa tatuagem. Nossa equipe de investigação foi a campo para conseguir essas provas. Na segunda (15) foi feito um pedido de prisão temporária e cumprimos mandado de busca e apreensão na tarde de terça (16). Durante esse cumprimento os policiais conseguiram encontrar as fotografias do suspeito e confirmaram que ele é a pessoa vista no vídeo saindo do motel”, diz o delegado Charles Araújo, que é titular da DEHS.
Fuga da cena do crime

Manuela Otto foi assassinada na madrugada de sábado (13) em um quarto do motel “Minha Pousada”, na zona norte da cidade. Para fugir da cena do crime, o cabo Jeremias Silva encobriu o rosto com uma camiseta. Sem conseguir abrir a porta da garagem do motel, ele usou o carro e arrombou a porta do estacionamento, levando a porta de alumínio, conforme mostram as câmeras de segurança do motel. O carro, um Chevrolet Prisma, de cor branca e placas PHJ-1418, está em nome do militar.
Lotado na 12ª Companhia Interativa Comunitária (Cicon), a Polícia Militar informou que no dia do crime, o cabo Jeremias estava afastado das atividades policiais. A Delegacia de Homicídios demorou a abrir o inquérito policial, o que revoltou o movimento LGBTQIA+ do Amazonas. “Quando chegarem as informações é que vão destacar alguém para investigar o caso. Mas por enquanto o que tem sobre isso é o que saiu na mídia”, disse um policial à reportagem da Amazônia Real na manhã da última segunda-feira.

O nome do cabo Jeremias da Costa Silva aparece como pessoa indiciada e ré em processos que tramitam no Tribunal de Justiça por Crimes Militares. Em 2017, numa ação penal, ele foi denunciado por crimes de lesão corporal por ofender a integridade de uma pessoa e por abuso de poder ou violação de dever inerente ao cargo. O processo está concluso para despacho desde de 2019 no TJ.
Manifestação por justiça

Na manhã desta sexta-feira, 19/02, membros do movimento LGBTQIA+ e a mãe de Manuela Otto, Hilma de Souza Silva participaram de uma manifestação pedindo Justiça por Manu, em frente à Delegacia Especializada em Homicídios e Sequestros (DEHS), localizada na zona Leste de Manaus.
“Por toda a nossa luta jamais poderemos deixar isso em vão. Deixar que mais uma pessoa do nosso meio fique sem justiça. O nosso movimento teve que vir às ruas para nos manifestar e pedir justiça. Para que este crime não fique impune. A Manuela era uma pessoa do bem”, disse a ativista da Associação da Parada do Orgulho LGBTQIA+, Bruna La Close.
Abalada, a mãe de Manuela participou do ato. “Não quero que a minha filha vire só uma estatística. Queremos direitos para todos, queremos igualdade para todos. Eu pelo por justiça, porque a polícia existe para proteger, não para fazer o que fizeram com a minha filha”, desabafou Hilma.
Esperança

A transativista e historiadora Michele Pires Lima, que é da diretoria da Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Estado do Amazonas (Assotram), disse que a prisão do militar “nos deu esperança de que alguma coisa está sendo feita”. “A gente vive numa sociedade transfóbica, homofóbica, racista, então isso é significativo, porque estamos falando de um servidor da lei que matou brutalmente uma mulher transexual. Então essa prisão se deu particularmente pela força família, da mãe da Manuela, a dona Hilma, pelos familiares, amigos, parentes, bem como pelo movimento social LGBTQIA+ amazonense”, disse Michele.
De acordo com a Assotram, entre os anos de 2017 a 2020, 19 pessoas trans foram assassinadas no Amazonas. Os casos continuam na impunidade.
“É difícil dizer que a gente acredita em justiça tão cedo. Eu digo que eu acreditaria se ele [o cabo Jeremias] continuasse na prisão, se fosse sentenciado e cumprisse pena. Mas até lá muita coisa vai rolar, afinal, foi só uma pessoa LGBT que foi assassinada…”, desabafa a professora e pesquisadora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), e coordenadora do Laboratório de Estudos de Gênero, Lidiany Cavalcante.
Lidiany lembrou de assassinatos de ativistas, como Adamor Guedes, que foi morto a facadas dentro de sua própria casa, em Manaus, no ano de 2005. “Até hoje os assassinos estão por aí, soltos. Então, o fato de o suspeito ter sido preso, não significa dizer que ele vai continuar preso”, pontuou.
Desqualificação da vítima

A professora Lidiany Cavalcante também levanta uma outra questão que envolve crimes contra pessoas LGBTQIA+: a tentativa de desqualificação das vítimas. No caso Manuela Otto, ela foi desrespeitada na sua identidade de gênero ao ser tratada como homem por sites e blogs de notícias de Manaus.
“Também houve boatos de que ela seria uma pessoa vivendo com HIV, e teria envolvimento com prostituição. São mostras dessa tentativa de desqualificar e culpabilizar as vítimas”, diz a pesquisadora. “Querem culpar a vítima pela violência sofrida. Quando uma mulher é estuprada às 11 da noite, tem gente que diz: Mas ela estava com uma roupa curta às 11. Que roupa você tem que usar num país tropical? Uma burca? Então, com as pessoas LGBTQIA+, existe essa mesma tentativa de desqualificar. A vítima já morreu, não pode mais se defender. Mas a pessoa LGBTQIA+ é vista como um cidadão ou cidadã de segunda categoria”, lamenta Lidiany.
Por: Leanderson Lima
Fonte: Amazônia Real