MPF quer proteção federal aos indígenas Munduruku atacados no Pará
O pedido, que será enviado ao Supremo Tribunal Federal, busca garantir a segurança pública em Jacareacanga, onde parte dos indígenas é a favor do garimpo ilegal.

O Ministério Público Federal (MPF) no Pará pediu, nesta sexta-feira (23), que o procurador-geral da República (PGR) Augusto Aras, em Brasília, solicite ao Supremo Tribunal Federal (STF) a garantia de segurança pública através da Polícia Federal aos indígenas Munduruku. O pedido é resultado da sequência de ataques aos indígenas em Jacareacanga e pretende conter a ameaça generalizada que se instaurou desde março por criminosos que se opõem a fiscalizações do garimpo ilegal no território indígena.
Segundo nota do MPF, agora depende da análise do procurador-geral da República para que o pedido seja encaminhado ao STF. Atualmente a segurança pública está à cargo do governo estadual, que não está conseguindo atuar para conter o garimpo ilegal na região, sendo notoriamente omisso. Se o pedido for aprovado no Supremo, a responsabilidade de combater a mineração dentro das terras indígenas passará a ser exclusivamente do governo federal.
“A finalidade de fazer cessar o projeto sistemático de ataque aos direitos humanos titularizados, individual e coletivamente, pelo povo Munduruku”, diz o pedido assinado por procuradores da República que atuam no Pará.
Desde do mês passado, atos de represália aos indígenas que se opõe ao garimpo ilegal começaram a acontecer em série. Os atentados ocorreram contra Associação de Mulheres Munduruku Wakoborũn, no dia 25 de março, que se opõe historicamente ao garimpo ilegal e o mais recente na última quarta-feira (21), um motor de barco da associação foi furtado pelos garimpeiros. Todos os casos ocorrem no perímetro urbano de Jacareacanga, onde existe uma guarnição da Polícia Militar. O receio dos criminoso é que haja uma operação de apreensão nas lavras de garimpo ilegal e que por pressão do movimento indígena passe a ter uma ficalização efetiva no território.
A Amazônia Real entrou em contato com a Polícia Federal questionando se haverá o reforço para conter outros possíveis ataques e a assessoria respondeu que não se pronunciará enquanto não for solicitada oficialmente.
Afronta dos criminosos

No dia 19 de abril, uma comitiva de 102 indígenas Munduruku foi para Brasília para defender o garimpo ilegal em encontros com autoridades públicas. Dois ônibus com crianças e idosos foram levados, enganados pela Associação Pusuru, para a capital federal. Apoiado pelo governo de Jair Bolsonaro e por empresários da mineração, o grupo minoritário Pusuru pretende barrar uma possível operação que está sendo articulada pelo MPF para conter a atividade mineradora em terras indígenas.
No caduco Dia do Índio, a manifestação em frente ao Congresso revela parte da estratégia para forçar a aprovação do Projeto de Lei 191, que libera a exploração e recursos hídricos, pecuária e mineração dentro das Terras Indígenas. O PL 191, de fevereiro de 2020, é de iniciativa do governo federal, e foi assinado pelo ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) e pelo ex-ministro Sergio Moro (Justiça).
As associações Wakoborun, Da’uk, Arikico, Pariri e o Conselho Indígena Munduruku do Alto Tapajós, maioria representante do povo, emitiram uma nota de repúdio ao ato em Brasília dos indígenas aliciados pelos garimpeiros ilegais.
“Essa associação não representa os interesses do nosso povo, representa o interesse de garimpeiros”, principia a nota. Eles ainda apontam que a pauta que associação minoritária defende não faz parte dos interesses comuns dos povos da floresta. “Repudiamos o projeto de lei-191, PL da morte que só vai trazer mais destruição para o nosso povo e nossa floresta. Repudiamos todos os projetos de ferrovia e hidrelétricas do nosso território. Precisamos garantir nossa vida.”
Na quinta-feira (15), e já ciente do ato pró-garimpo, o MPF enviou recomendação a ministérios e órgãos públicos em Brasília para que essas instituições não façam acertos sobre mineração em TIs com a comitiva. “Indígenas Munduruku que seguem para Brasília, sob a coordenação da Associação Indígena Pusuru, a pretexto de participarem de reuniões da Semana Nacional do Índio, agem associados e financiados por empresários ocultos envolvidos e/ou interessados na promoção da mineração com maquinário pesado dentro das Terras Indígenas Munduruku e Sai Cinza”, alerta a recomendação.
Em entrevista à Amazônia Real, o procurador da República de Itaituba (PA), Paulo de Tarso Moreira, enfatizou que a omissão proposital por parte do Estado contribui para ataques deliberados a lideranças indígenas que denunciam a atividade ilegal em suas terras. “Querem silenciar os indígenas que se opõem ao garimpo”, afirma o procurador.
Sem nenhum tipo de fiscalização para conter o avanço do garimpo ilegal no território Munduruku, no Alto e Médio Tapajós, estado do Pará, cabem aos indígenas assumirem o papel de proteção integral de seus territórios. “O aparelho estatal está atuando deficitariamente, e isso realmente tem acontecido com frequência”, diz o procurador.
Além da ausência de políticas de proteção contínua, ele aponta outro elemento fortalecedor das invasões nos territórios indígenas, que no caso é o próprio discurso desenvolvimentista estatal alinhado a um posicionamento escancaradamente anti-indígena e anti-ambiental. “O discurso potencializa um lobby político criminoso financiado por organizações criminosas apostando que em algum o momento o estado brasileiro vai legalizar aquilo que hoje é criminoso e ilegal”, explica Moreira.
O cerco dos garimpeiros

Em outro episódio recente, ocorrido em 25 de março, garimpeiros ilegais e representantes de uma minoria indígena aliciada vandalizaram a Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn, no município de Jacareacanga (PA). A violência foi uma tentativa de silenciar as mulheres Munduruku que são contrárias à mineração ilegal em seus territórios.
Em 9 de abril, a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou comunicado à imprensa para cobrar das autoridades brasileiras investigação rigorosa da vandalização. “Ataques como o ocorrido contra a sede da Associação de Mulheres Munduruku Wakoborûn são, muitas vezes, declarados antecipadamente. No entanto, os esforços do Estado, em seus diferentes níveis, não têm sido suficientes e eficazes para evitá-los. É preciso prevenir a invasão dos territórios, coibir as práticas ilegais e proteger a integridade física do povo Munduruku”, diz a nota da ONU.
As mulheres indígenas viraram alvo dos criminosos porque assumem a linha de frente da defesa dos seus territórios e dos direitos humanos dos seus povos. Elas recebem constantes ameaças, intimidações e tentativas de criminalização.
No segundo semestre de 2020, o MPF ajuizou uma ação civil pública pedindo que os órgãos responsáveis (Ibama, Funai, ICMbio e PF) voltem a serem obrigados a combater a mineração ilegal. Mesmo com a imposição de uma multa, nada foi feito de concreto. E novamente o governo optou pela negociação, postergando as medidas protetivas para o território.
Frente ao novo ataque à associação, o MPF abriu apurações sobre a ocorrência de improbidade administrativa por parte de autoridades responsáveis por evitar a invasão garimpeira e sobre a ocorrência de dano coletivo aos indígenas. No dia 30 de março, o órgão e as mulheres Munduruku lançaram uma campanha para reconstrução da sede. Foi criada uma página dedicada à captação de recursos.
Sem proteção oficial

Em 6 de fevereiro de 2020, a deputada indígena Joênia Wapichana (Rede) classificou o PL 191 como “abusivo e inconstitucional”. “O Brasil viveu grandes desastres, crimes ambientais e humanos como o de Mariana, e recentemente o de Brumadinho que completou um ano de impunidade. Dois exemplos reais de mineradoras que provocam incompetência do Estado e do próprio governo de fiscalizar e monitorar as atividades minerárias”, afirmou durante a sessão de apresentação do PL na Câmara.
As ações do governo federal não escondem o empenho em militarizar a proteção ambiental com a criação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na Amazônia Legal. A Operação Verde Brasil, formada em 2019, autorizou o emprego das Forças Armadas para promover ações preventivas e repressivas contra os delitos ambientais. Contudo, a GLO, já na segunda fase prorrogada até este mês de abril de 2021, foi incapaz de conter os crimes na região e atua de forma descoordenada com os outros órgãos de defesa socioambiental.
Com o fim da Operação Verde Brasil 2, a intenção do governo é manter a presença do Ministério da Defesa na proteção ambiental e na linha de frente do Conselho Nacional da Amazônia. O conselho é presidido pelo vice-presidente da República, Hamilton Mourão. Para substituir a GLO, o governo criou o Plano Amazônia 2021/2022 que pretende, a partir do próximo mês, assumir as responsabilidades pelo combate aos crimes ambientais até o fim do governo Bolsonaro.
Ao mesmo tempo, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, se empenha em desmobilizar operações de fiscalização, como fez na ação de fiscalização de combate ao desmatamento ilegal na Amazônia do Ibama em agosto de 2020. E, mais recentemente, com as investidas contra a “Operação Handroanthus GLO”, considerada pela PF a maior apreensão da história. Nesse caso, Salles se posiciona em favor dos madeireiros e afirma legalidade da madeira apreendida, uma carga de 200 mil metros cúbicos de madeira avaliada em 130 milhões de reais.
No dia 14 de abril, o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, delegado Alexandre Saraiva, responsável pela Operação Handroanthus GLO, fez uma queixa-crime no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o ministro do Meio Ambiente e o senador Telmário Mota (Pros). Logo após a denúncia, o delegado foi demitido da PF.
“Quando acontece um crime, devemos tomar as medidas previstas em lei; quando a pessoa tem foro privilegiado, devemos comunicar a corte que tem atribuição para investigar aquele delito, e foi o que fizemos”, disse à BBC News Brasil. Agora, cabe ao STF fazer abertura de investigação sobre o caso.
Desmatamento e mineração

Em 2018, uma perícia realizada pela Polícia Federal, em Santarém, apontou que os impactos da mineração na região do Oeste do Pará já provocam consequências semelhantes aos crimes cometidos por mineradoras no Sudeste do Brasil. “Nos garimpos da bacia do Rio Tapajós, temos um despejo estimado de no mínimo 7 milhões de toneladas por ano, o que equivaleria dizer que a cada 11 anos a atividade garimpeira despeja no Rio Tapajós a mesma quantidade, em massa, de sedimentos que a Samarco despejou no Rio Doce quando do rompimento das barragens de rejeitos”, expõe a perícia.
O estudo publicado pela Monitoring of The Andean Amazon Project (MAAP) no segundo semestre do ano passado, revela que o desmatamento está diretamente ligado à mineração no interior das terras indígenas na Amazônia nos últimos anos, dentre elas a TI Munduruku.
O levantamento constatou que entre 2017 e 2019, três TIs na Amazônia, Munduruku, Kayapó e Yanomami, tiveram 10.245 hectares de floresta devastados para dar lugar aos garimpos. Esse quantitativo equivale a mais de 10 mil campos de futebol, sendo que somente na TI Munduruku somam-se mais de 3 mil hectares destruídos pelos infratores. Mesmo com o estudo apontado pelo MPF, o Conselho Nacional da Amazônia ignorou os crimes e não investigaram a origem de tal desmatamento.
“É uma situação muito flagrante; é uma situação frustrante até. Por exemplo, que a TI Munduruku registrou os maiores índices de desmatamento pautados para invasão de território para mineração ilegal e nada foi feito, e essa situação não foi colocada em prioridade”, explicou o procurador Paulo de Tarso Moreira.
Por: Tainá Aragão
Fonte: Amazônia Real