MPF investigará ligação de funcionária da Sesai com o garimpo ilegal

O Ministério Público Federal (MPF) em Roraima vai investigar se há ligação de uma funcionária da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, com o garimpo ilegal, conforme denunciou a reportagem especial Ouro do Sangue Yanomami, uma parceria entre a Amazônia Real e a Repórter Brasil. A técnica de enfermagem e fisioterapeuta Thatiana Nascimento Almeida foi flagrada vendendo o metal na Rua do Ouro, em Boa Vista, no dia 28 de abril, e o caso foi revelado pela reportagem publicada em 24 de junho.
Segundo o MPF, a investigação do órgão será interna e na esfera criminal, em que testemunhas são ouvidas e provas são coletadas. O resultado da investigação poderá ser encaminhado à Polícia Federal com pedido de abertura de inquérito.
Em outro desdobramento do caso, o presidente do Conselho de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuanna (Condisi-Y), Junior Hekurari Yanomami, disse à Amazônia Real, nesta terça-feira (29), que irá solicitar à coordenação do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Ye´kuana (Dsei-Y) o afastamento imediato de Thatiana Almeida.
Junior Kekurari disse que procurou a técnica de enfermagem após publicação da reportagem e a convidou para uma conversa. Segundo ele, no entanto, Thatiana disse que não compareceria. “Falei que não estava chamando para julgar, mas sim para conversar. Vou encaminhar um documento para o coordenador recomendando o desligamento imediato dela.”
O MPF informou que também encaminhou ofício para o Dsei sobre quais as providências que estão sendo tomadas em relação à profissional.
A reportagem da Amazônia Real flagrou Thatiana Nascimento Almeida dentro da loja Opalo, vestindo uma máscara de proteção da Covid-19 com o logotipo da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), e negociando a compra de ouro do garimpo. O dona da loja, identificado como Willians Suarez confirmou: “aqui compro tudo.” A técnica de enfermagem deixou o carro ligado, com os faróis acesos e sem estacionar – distante da calçada – enquanto permanecia na loja Opalo. Instantes depois, ela saiu da joalheria, pegou um pacote no porta-luvas e entrou novamente.
O carro em que Thatiana dirigia, uma Corolla preto placa NOY-1G90, foi identificado pela reportagem em nome de um familiar dela.

A série especial Ouro do Sangue Yanomami, fruto de quatro meses de investigação jornalística, revelou de forma inédita como funciona o esquema de exploração ilegal do ouro na TI Yanomami, que nesta terça-feira (29) foi alvo de uma anunciada operação da Força Nacional de Segurança (Leia abaixo mais sobre a operação Omama).
O trabalho jornalístico mostrou como estão envolvidos no esquema criminoso empresas mineradoras com grande capital financeiro e donos de aeronaves a servidores públicos, políticos e governantes, indígenas, grifes de joalherias internacionais e o narcotráfico. Uma das sete reportagens foi a ‘Compro tudo’: ouro Yanomami é vendido livremente na Rua do Ouro, que traz em detalhes o momento em que a funcionária da Sesai, Thatiana Almeida, negocia a venda do metal.
Troca de ouro por vacina

O MPF em Roraima investiga a troca de vacina por ouro por funcionários da Sesai, conforme denúncia da Hutukara Associação Yanomami (HAY). Em abril, lideranças no território informaram que doses de vacina estariam sendo vendidas a garimpeiros em troca de ouro. A Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas também denunciou o caso para a CPI da Pandemia.
Sobre as investigações de troca de vacina por ouro denunciada pela Hutukara, o MPF informou que o órgão oficiou os Dseis e fez reunião com os órgãos envolvidos. Uma reunião para o dia 28 de junho estava marcada para tratar “destas questões na TI”. A reportagem questionou o MPF sobre a reunião, mas não obteve resposta até o fechamento da edição.
O Ministério da Saúde e a Sesai não responderam às perguntas enviadas pela reportagem. Thatiana Almeida desativou as redes sociais e não foi encontrada. Em uma curta mensagem depois que a série Ouro do Sangue Yanomami foi publicada, ela anunciou que irá processar os veículos de comunicação.
Operação na Terra Indígena

Nesta terça-feira (29), mais de um mês após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso determinar a proteção dos Yanomami e a retirada de garimpeiros do território indígena, o governo federal iniciou a operação de desintrução na região.
Desde o início de maio, os Yanomami vem sofrendo sucessivos ataques violentos e intimidações recorrentes por parte de garimpeiros, muitos deles ligados ao PCC. Mais de 10 ataques com tiros e bombas já ocorreram em aldeias à margem do rio Uraricoara, na região chamada de Palimiu (que também é o nome de uma das aldeias). Um dos ataques resultou na morte de duas crianças que, com medo dos tiros disparados pelos garimpeiros, fugiram para a mata e morreram afogadas.
A Polícia Federal, em conjunto com o Exército, a Força Aérea Brasileira, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Força Nacional deu início à operação Omama. No último dia 14, o Ministério da Justiça já havia anunciado que enviaria a Força Nacional de Segurança à terra indígena.
Na nota distribuída à imprensa, a PF afirma que o objetivo da operação é “desenvolver ações de combate à mineração ilegal na terra indígena Yanomami com a desintrusão de garimpeiros e a proteção aos povos indígenas naquela região”.
A PF informou que “serão realizadas incursões estratégicas em diversos garimpos com apoio de aeronaves, equipamentos e tropas especiais visando apreender e inutilizar maquinários, aeronaves, insumos e outros materiais utilizados na extração de ouro, desencorajando os garimpeiros de permanecerem na região”. O nome da operação é em referência ao criador dos Yanomami, Omama.
O ser criador está fortemente ligado à cosmovisão dos Yanomami e é frequentemente lembrado pelo líder Davi Kopenawa Yanomami nas inúmeras intervenções e declarações que fez em fóruns nacionais e internacionais e na imprensa. No minidoc produzido pela Amazônia Real para a série Ouro do Sangue Yanomami, Davi Kopenawa diz: “O nosso criador se chama Omama. Omama está junto de nós. Eu não estou sozinho. Estamos juntos. Juntos para a nossa Terra Mãe”.
Garimpeiros mandam aviso

A Polícia Federal não informou à imprensa o período de duração da operação e nem as áreas em que elas estão acontecendo. No entanto, antes mesmo de a operação começar, garimpeiros já sabiam do planejamento da operação, conforme atestam conversas e áudios que circulavam em grupos no WhatsApp de garimpeiros de Roraima desde o último final de semana.
“Atenção, operação. Três dias de operação aí galera: terça, quarta e quinta. Vamos ficar [inaudível]. (…). Paredão,Boqueirão. Todos os becos de vielas”, diz um líder do garimpo, em áudio.
Em vídeo que circulou nesta terça-feira, garimpeiros que filmavam o comboio de caminhões do Exército em estrada de Roraima comentavam a operação com ironia e curiosidade. “Bora ver quantos. Operação aí, papai. Para dentro do garimpo. Toma-te. Vai, vai. Acaba mais não (em referência aos caminhões). Olha o rancho deles. Tem mais ali na frente. Ibama, Icmbio…”
A reportagem tentou contato com a assessoria de comunicação da PF em Roraima, mas não obteve retorno.
Por: Maria Fernanda Ribeiro
Colaborou Elaíze Farias
Fonte: Amazônia Real