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16 de julho de 2021

Cooperativa de agronegócio divide indígenas Xavante

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    Cooperativa de agronegócio divide indígenas Xavante
    Incentivado pela Funai, o projeto “Independência Indígena” permite exploração agrícola nas terras indígenas; Ministério Público Federal vê ilegalidade na iniciativa. A imagem acima mostra indígenas nos tratores na plantação de arroz da TI Sangradouro (Foto: Tchélo Figueiredo/SECOM- MT)

    Uma cooperativa criada por fazendeiros do Sindicato Rural de Primavera do Leste, do Mato Grosso, está dividindo o povo Xavante da Terra Indígena Sangradouro/Volta Grande. Incentivada pela Fundação Nacional do Índio (Funai), a iniciativa foi batizada de “Independência Indígena” e opôs, de um lado, indígenas contrários ao projeto; e de outro, defensores de plantações de monocultura, sobretudo de arroz. 

    O território indígena fica em Primavera do Leste, a 238 quilômetros da capital de Mato Grosso, Cuiabá. É uma região forte do agronegócio, que faz um cerco à área protegida. Para Hiparidi Toptiro, que é líder em Abelhinha, uma das 57 aldeias da TI Sangradouro/Volta Grande, esta é mais uma afronta de fazendeiros que almejam tomar esses territórios há anos.

    “Se 80% do plantio fica com produtores rurais e 20% com os Auwé (outro nome dado ao povo Xavante), quem sai perdendo?”, questiona Hiparidi. Segundo ele, além de não compensar financeiramente para os indígenas, outro aspecto ruim da cooperativa é que havia previsão de desmate, para o plantio, de 50 hectares, mas imagens de satélite comprovam que já foram abaixo mais de 1.600 hectares, “sendo boa parte sem licenciamento ambiental”.

    Outra preocupação dele é que este tipo de iniciativa signifique também uma invasão cultural e desmonte o modo de vida originário em Sangradouro. “Qualquer um que olhar a nossa organização social e cultural, sabe que é muito difícil dar certo esse tipo de coisa. Essa parceria é insustentável. São vários os problemas, logo, logo. Isso não vai muito longe”, vaticina. 

    Hiparidi defende que seu povo plante, colha e comercialize o que quiser, mas por si só, sem “arrendar” nem um palmo da reserva que tem mais de 100 mil hectares de terra. Chateado e indignado, o líder indígena acredita que alguns de seus parentes caíram em ‘lero-lero’. “Tem até professores Xavante, formadores de opinião envolvidos, isso é uma vergonha para nós (…) Muito triste (…) É lavagem cerebral”, critica.

    A Cooperativa Indígena Sangradouro/Volta Grande (Cooigrandesan) foi fundada pelo Sindicato Rural de Primavera do Leste. O projeto Independência Indígena é resultado de uma parceria entre o governo de Mato Grosso com o Sindicato Rural de Primavera do Leste e a Fundação Nacional do Índio. 

    “Nossa maior expectativa com esse plantio é mostrar para o mundo que a gente é capaz de produzir e ser independente, sem precisar buscar recursos na cidade. Tivemos algumas dificuldades no início, mas futuramente por meio dessa lavoura mecanizada alcançaremos o nosso progresso sem provocar o desmatamento ou danos ao meio ambiente ou ao ser humano”, disse o presidente da cooperativa, Gerson Warawe em nota do governo estadual sobre o Independência Indígena.

    Cerco do agronegócio

    Início da colheita de arroz na Terra Indígena Sangradouro no Mato Grosso, em 23 de abril de 2021 (Foto: Rafael D Marques/Secom-MT)

    Mas a Associação Xavante Warã, que há 25 anos articula as comunidades Xavante na defesa de direitos e do território Auwé, refuta essa perspectiva otimista de Gerson Warawe. “É mais um estímulo à dependência e ao arrendamento, com ares de legalidade. Sabemos que a finalidade última desse projeto – que é político – é de se apropriar do nosso território, sob falsa e hipócrita justificativa de desenvolvimento econômico das nossas comunidades. Antigos argumentos para novas investidas sobre os nossos direitos e nosso território. É o cerco do agronegócio no cerrado e todas os seus projetos de estradas, centrais hidrelétricas e ferrovia, que destrói a forma de vida do povo Auwé Xavante no Ró/Cerrados, nosso meio de vida, trazendo doenças e morte”, diz a organização, em nota. 

    “A riqueza de nossos repertórios culturais e conhecimentos, desenvolvidos ao longo dos milênios em que habitamos o cerrado, não é condizente com o discurso que se baseia em ideias que relacionam os povos indígenas com miséria, pobreza, subdesenvolvimento. Pobre é o projeto desse governo para o Brasil”, acrescenta a nota. O documento alerta ainda que a cooperativa do Independência Indígena replica o projeto falido desenvolvido pela Funai na ditadura militar e traz de volta “velhos fantasmas da tutela e do desenvolvimentismo, sob novas roupagens modernizantes, a rondar e cobiçar a riqueza do nosso território e da nossa cultura”.

    Indígenas pró-agronegócio

    Indígena no meio da colheita de arroz na terra indígena Sangradouro no Mato Grosso em 23 de abril de 2021 (Foto: Tchélo Figueiredo/SECOM- MT)

    O professor Xavante Daniel Maratedewa Dzaywa, líder na aldeia Sangradouro, dentro da TI Sangradouro/Volta Grande, pensa diferente. Ele é apoiador da cooperativa. “O objetivo do meu povo da comunidade é avançar, porque a gente tem muito tempo acompanhando esse trabalho, mas nunca desenvolveu. Por isso fizemos parceria com nossos produtores, nosso vizinho, para que o trabalho dê certo. São 132 mil hectares de território total, mas 1.000 hectares para fazer o plantio foi determinado”, explica.

    Daniel reafirma que o grupo apoiador da cooperativa “é Bolsonaro”, referindo-se ao apoio da comunidade ao presidente. Tanto é assim que, em 15 de maio, ele integrou uma comitiva que saiu de Primavera do Leste rumo a Brasília para participar do ato pró-presidente.

    Outra liderança Xavante que também se diz bolsonarista e está de acordo com a “parceria” é Airere Bartolomeu. Segundo ele, a comunidade quer se beneficiar com a cooperativa para estruturar a saúde e comprar medicamentos, obter equipamentos e melhorar de vida. “Quem não quiser participar não participa. Estamos sem comida”, justifica. Airere alega que seu povo quer avançar, aprender com os não-indígenas, entrar na globalização e “não ficar parado no tempo e espaço”. Ele nega qualquer cabresto. “Estamos de olhos vivos.”

    “Narrativa mentirosa”, diz MPF

    Colheita de arroz na terra indígena Sangradouro no Mato Grosso (Foto: Tchélo Figueiredo/SECOM- MT

    Para o procurador Ricardo Pael, do Ministério Público Federal de Mato Grosso (MPF-MT), o formato da Cooigrandesan é ilegal. “Contraria desde a Constituição Federal, que garante o usufruto de riquezas naturais de reservas aos indígenas e somente a eles, até o Estatuto da Terra, regras e decretos, balizadores de territórios demarcados. Contraria também a vontade da maioria dos Xavante, eles me disseram que não usam essa tal organização mista e não concordam com isso”, afirma o procurador em entrevista à Amazônia Real.  “A minoria que está aceitando essa situação é vítima de uma narrativa mentirosa.” 

    “Existe hoje uma grande fake news circulando de que os indígenas não podem plantar, não podem ter trator e isso é uma mentira. Não existe nenhuma lei, decreto, norma no Brasil que proíba os indígenas de plantar nas terras deles. Podem plantar e vender. Só não podem fazer é arrendamento misto”, pontua Pael.

    O procurador cita, inclusive, a comunidade dos indígenas do povo Suruí, em Rondônia, que plantam e exportam café, somente com apoio estatal. “O café dos Suruí inclusive já foi premiado na Suécia. A empresa Três Corações queria comprar toda a produção deles de tão bom que é”, comenta. Outra etnia, os Paresi de Mato Grosso, produzem soja e feijão de uma variedade nova, pipoca, amendoim e vendem.

    Pael diz ter ouvido um número considerável de indígenas Xavante e concluiu que a cooperativa incrustada em Sangradouro prejudica o lado mais frágil, dentro desse projeto da Independência Indígena. “O interesse do fazendeiro do sindicato rural é apenas de lucrar.”

    Em março passado, o MPF-MT pediu explicações à Funai e ao Ibama sobre a Instrução Normativa Conjunta Funai/Ibama nº 1, de 22 de fevereiro de 2021, que viabiliza a cooperativa. Dispõe sobre os procedimentos a serem adotados durante o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades localizados ou desenvolvidos no interior de terras indígenas cujo empreendedor sejam organizações indígenas. A IN, de acordo com análise prévia do MP, contraria pelo menos três cláusulas do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado em dezembro entre MPF, Ibama, Funai e indígenas, para balizar a atividade de lavouras mecanizadas e a questão ambiental em reservas de MT.

    Sem resposta, em maio o MPF recomendou à Funai e ao Ibama que retirem do artigo 1º da Instrução Normativa a expressão “organizações de composição mista de indígenas e não indígenas”, assim como revoguem o parágrafo 1º do mesmo artigo, dentro de 10 dias. “Isto porque o texto viola o princípio do usufruto exclusivo, previsto na Constituição Federal e na lei da criação da Funai, além do Estatuto do Índio e da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI)”.

    Sindicato rural apoia

    Indígenas da cooperativa (Foto: Marcos Vergueiro/ SECOM MT)

    O Sindicato Rural de Primavera do Leste afirma que a cooperativa do Independência Indígena é uma demanda que recebeu do próprio povo Xavante, que também pediu como contrapartida medicamentos e alimentos, já que se sentem abandonados pelo Estado.

     “O produtor rural, seja de forma direta ou indireta, e o sindicato como entidade de representação de classe, perceberam a necessidade de escutá-los e ajudá-los, com essa questão de criação desse corpo legal, desse organismo denominado cooperativa”, argumenta o gestor administrativo do Sindicato Rural de Primavera, Renato Cozanelli.

    Segundo ele, “infelizmente a União, a Sesai e a Funai não vão reportar a receita para que eles possam buscar autonomia nesse processo em relação à lavoura mecanizada”. Sendo assim, diz Cozanelli, os produtores rurais entraram no caso para apoiá-los, por meio de uma cooperação técnica, com prestação de serviço e contas. “Chegou uma hora que os indígenas não queriam mais viver de migalhas e nem assistencialismo. Perceberam que podemos ser autossuficientes.”

    Cozanelli afirma ainda que os produtores, além do plantio de arroz, levam diversas formas de sustentabilidade aos indígenas. “Já receberam 90 caixas de mel para produzir. Isso gera consumo próprio e uma moeda de troca, comercialização desse mel para que eles possam comprar outros subsídios de alimentação. Amanhã ou depois eles têm área de lâmina d‘água para piscicultura e usar redes para pescar peixes e se alimentar e dividir isso como cooperativa”, exemplifica. 

    Tudo OK para a Funai

    Indígenas em Sangradouro com funcionários da Funai (Foto: Ascom Funai)

    A Funai respondeu, por meio de nota, que garante legalidade na parceria em Sangradouro. O órgão afirmou que a instrução normativa não viola o princípio do usufruto exclusivo, previsto na Constituição, e estabelece normas específicas para o licenciamento ambiental de projetos sustentáveis desenvolvidos pelos indígenas nas aldeias.

    Segundo a Funai, a construção do normativo ocorreu após estudos institucionais e partiu da necessidade de condições específicas para atender à demanda indígena em projetos de etnodesenvolvimento, bem como estabelecer um rito próprio entre Funai e Ibama. Segundo o órgão indigenista, as organizações de composição mista devem ser de domínio majoritário indígena, obedecendo a inalienabilidade e indisponibilidade das Terras Indígenas, sendo vedado seu arrendamento.

    Por: Keka Werneck
    Fonte: Amazônia Real

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