Atos pró-Bolsonaro impõem clima de medo à Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília
O medo não tem dia, local e nem hora marcada quando o racismo e as ameaças são constantes contra os povos indígenas. Este é o clima imposto pelos manifestantes pró-Bolsonaro que chegam em Brasília para o ato em defesa do governo no dia em que se comemora a Independência do Brasil. A capital do Distrito Federal é palco há 15 dias de manifestações dos indígenas por causa do julgamento do marco temporal no Supremo Tribunal Federal (STF). Nesta semana a cidade recebe a 2ª Marcha das Mulheres Indígenas, promovida pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) com previsão de participação de mais de 4 mil pessoas.
“O temor é contínuo. Não é propriamente o 7 de setembro. Mas esse antes, esse pré 7 de setembro, o pós 7 de setembro, nos preocupa. Porque esse ódio, ele não está instalado para ser propagado em um dia, ele está dilatado. Ele está diluído e as pessoas agem contra a gente com muita naturalidade”, explica Cristiane Pankararu, que é cofundadora da Anmiga, e coordenadora da 2ª Marcha das Mulheres Indígenas, que começa nesta terça-feira (07).
A agência Amazônia Real procurou o Ministério Público Federal, em Brasília, para saber que providências as autoridades estão tomando para assegurar a proteção dos povos indígenas. O MPF informou que já tomou “conhecimento e medidas”, mas não informou quais para não prejudicar as investigações dos crimes.
Os atos em defesa ao governo do presidente Jair Bolsonaro devem acontecer nas principais capitais do país. Em Brasília, os manifestantes defendem a destituição dos 11 ministros do STF, assim como a recriação do voto impresso, ainda que a medida tenha sido rejeitada pela Câmara dos Deputados, diz site do EL País.
Neste domingo (05), o bolsonarista Márcio Giovani Nique foi preso pela Polícia Federal após ser acusado de ameaçar o ministro Alexandre de Moraes. Ele afirmou em uma live que “um empresário grande está oferecendo uma grana federal pela cabeça [do ministro do STF] Alexandre de Moraes, vivo ou morto”.
As ameaças dos manifestantes pró-Bolsonaro contra os indígenas começaram a ser propagadas nas redes sociais nos últimos dias. Em um vídeo postado no final de semana no Instagram, o comerciante Jackson Vilar deu o tom do clima de animosidade contra os povos indígenas que estão em Brasília.
“Vai ter derramar [sic] de sangue em Brasília. O pau vai cantar em Brasília (…) Vamos pra cima! Não vamos se acovardar, não. Não mexa com a gente, não, porque se mexer com um da direita aí você vai ver. O povo tá numa sede! O povo da direita, tenho falado com os líderes do povo tão aceso. Tá igual a uma pólvora, se riscar um pavio… Se um índio desse se meter a besta, Brasília vai desindianizar (sic)”, ameaçou Vilar.
Villar se apresenta como presidente da “Embaixada do Comércio de São Paulo”, organização bolsonarista sediada na capital paulista e organizador da motociata, prometida para o dia 7 de setembro, em favor do presidente da república.
Depois da repercussão negativa do vídeo, Vilar o apagou de suas redes sociais, mas o perfil no Instagram “Brasilfedecovid” – criado durante a pandemia para denunciar o descumprimento de normas sanitárias – respostou para denunciar as ameaças, que viralizaram.
Após a repercussão negativa, o mesmo Vilar gravou um novo vídeo para se justificar. “Eu fiz um vídeo alertando o povo que está indo para Brasília (tomar) cuidado, porque adiaram a audiência do índio lá pro dia 8 para permanecer os índios em Brasília e isso pode haver que haja um confronto e até derramar de sangue. Foi o que eu falei, eu não falei que é ir pra Brasília derramar sangue de indígena, não (…) Meus princípios são outros, rapaz”, disse.
A reportagem da Amazônia Real tentou contato com Jackson Vilar por meio do endereço de e-mail disponibilizado no site e também pelo telefone disponível na página. Até a publicação da reportagem, Vilar não havia retornado o pedido de entrevista.
Este não foi o único caso de ameaça aos povos indígenas acampados em Brasília.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) conta que desde o início das atividades do acampamento “Luta pela Vida”, no dia 22 de agosto, os indígenas estão sofrendo diversos ataques racistas e tentativas de intimidações por parte de pessoas contrárias às pautas do movimento, que estão na capital federal para lutar por direitos.
Por meio de nota, a Apib reforça que o propósito da mobilização em Brasília é protestar de forma pacífica por direitos e acompanhar o julgamento no STF, em apoio aos ministros e às ministras do Supremo contra a tese do Marco Temporal.
“Todos os ataques que se enquadram em crimes de racismo, injúria, calúnia e difamação serão devidamente denunciados para que sejam tomadas medidas cabíveis, bem como as condutas de intimidação e ofensas”, diz a Apib.
Nara Baré, que é coordenadora-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), também está no Distrito Federal desde o dia 18 de agosto para acompanhar o desenrolar do julgamento do marco temporal. Nara permanece na mobilização dos indígenas na capital federal, desta vez fazendo parte da marcha das mulheres.
Ela conta que o acampamento tem recebido visita de bolsonaristas que querer saber se os indígenas são de direita ou de esquerda. “Como nas nossas cores indígenas são o preto do jenipapo e o vermelho do urucum, eles atribuem o vermelho a questões partidárias que não tem nada a ver conosco”, conta Nara, que reafirma que luta pelos direitos indígenas.
“Nós estamos recebendo ameaças de pessoas que são a favor do presidente Bolsonaro, nós não estamos mexendo com eles, o movimento indígena não é um movimento nem de direita e nem de esquerda, nós estamos aqui a favor da nossa vida”, ressalta Nara.
Segurança Pública foi avisada

Cristiane Pankararu está em Brasília acompanhando os desdobramentos do julgamento da tese do marco temporal no Acampamento Luta pela Vida, que é coordenado pela Apib, onde já passaram 6 mil pessoas de 176 povos das cinco regiões do país. Ela vê com bastante preocupação a escalada do ódio contra os povos indígenas.
“(Temos) medo de madrugada sofrer algum ataque, ou sair para fazer alguma coisa no mercado, na farmácia. Enfim, precisa sair daqui e sofrer algum tipo de coisa. Mas nós temos buscado procurar manter um diálogo próximo com a SSP (Secretaria de Segurança de Brasília), para manter a gente em segurança, manter a gente em conexão, nos manter neste amparo do Estado, apesar de tudo”, revela.
Ela conta que, nos últimos dias, os indígenas das mobilizações em Brasília foram procurados por organizações de movimentos sociais de esquerda para se juntar a suas manifestações contra o governo federal programadas para este período, mas os convites foram imediamente recusados. As lideranças temem pela segurança dos povos indígenas acampados em Brasília.
“Ninguém é contra os movimentos sociais. Estamos num processo democrático. Cada um pode fazer sua mobilização, ecoar o seu grito, mas neste momento vamos nos manter aqui, neste acampamento. Estamos orientando nossos parentes a se manter também em seus territórios para evitar qualquer contato, qualquer atrito, qualquer provocação”, explica.
Não ao marco temporal

O julgamento da tese do marco temporal foi retomado na semana passada. Nos dois dias, um total de 23 instituições (13 representadas por mulheres) foram contrárias à tese da imposição de um marco temporal. Já outras 13 apresentaram-se a favor da tese. Entre os advogados que rechaçaram o marco temporal, estavam quatro indígenas: Samara Pataxó, Cristiane Soares Baré, Ivo Macuxi e Eloy Terena.
O julgamento será retomado na próxima quarta-feira (8) com a exposição do voto do relator Edson Fachin, que é bastante aguardado pelos indígenas acampados na capital federal.
“O Brasil é território indígena. Todo o Brasil é território indígena. A nossa história não começa em 1988 e nem começa 1500 com a primeira invasão, ela começa bem antes porque os indígenas sempre estiveram aqui e sempre vamos está”, diz Nara Baré.
Cristiane Pankararu destaca que a Constituição de 1988 deve ser tratada como um “marco temporal” sim, mas no sentido de que o Brasil, ali, assume um compromisso moral, social e político com os povos indígenas.
“A partir de 1988 há uma promessa do Estado brasileiro de que os territórios indígenas seriam reconhecidos e regularizados em cinco anos. E cadê esse prazo de cinco anos? Então a gente precisa avançar nisso. A temporalidade não é nossa. Vamos resistir. Enquanto a gente manter a nossa essência, enquanto a gente manter nossa conexão com a terra e com os nossos antepassados, nossa espiritualidade, vamos resistir. Isso o tempo não apaga. Isso o tempo fortalece”, finaliza.
Por: Leanderson Lima
Fonte: Amazônia Real