Candidatos à presidência defendem militares na Amazônia, mas não definem estratégias
Presença das Forças Armadas em território amazônico no governo Bolsonaro custou meio bilhão, mas desmatamento só cresceu

Os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips no último mês de junho, causaram comoção internacional e revelaram a ilegalidade que toma grande parte do Vale do Javari, no estado do Amazonas. Como resultado, a ação das Forças Armadas na Amazônia ganhou destaque dentre as medidas citadas pelos candidatos à presidência da República.
Em entrevistas recentes, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) citou o papel das forças armadas, sobretudo, nas fronteiras, agregando também a valorização a outros órgãos de fiscalização, como a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Polícia Federal. “Precisamos de mais gente vigiando nossas fronteiras. Nossa soberania está ligada à nossa capacidade de controlar nossas fronteiras, inclusive o espaço aéreo. O mundo está mudando rapidamente, o narcotráfico está crescendo. Vamos ter de fazer uma discussão séria, envolver as Forças Armadas”, afirmou o candidato em entrevista à rádio difusora do Amazonas.
Em junho, Ciro Gomes (PDT), chegou a afirmar que as Forças Armadas eram coniventes com uma “holding” do crime na Amazônia. “Bolsonaro destruiu as raríssimas bases de comando e controle: ele desmontou o ICMBio, desmontou a Funai, desmontou o Ibama, destruiu a capacidade operacional das Forças Armadas, que não têm efeito, verba, tecnologia para administrar a imensa faixa de fronteira seca. E isso acabou transformando o território nessa holding do crime, claramente protegida por autoridades brasileiras, inclusive das Forças Armadas”, disse o candidato em entrevista à rádio CBN.
“Um dos meus compromissos é construir uma estrutura de defesa em bases profissionais, sofisticadas, modernas, sob o ponto de vista tecnológico, capazes de dizer ‘não’ na proteção dos interesses nacionais brasileiros. Mas, haverá todo um processo de mudança na formação e nos critérios de promoção da cúpula das forças de defesa”, completou.
Por essa declaração, Ciro Gomes precisou escrever uma nota se explicando, após o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, e os comandantes das Forças Armadas, encaminharem uma queixa-crime contra ele. .
Já Simone Tebet (MDB) seguiu defendendo amplamente em entrevistas e em suas redes sociais que os militares precisam de maiores investimentos para que possam fazer um trabalho efetivo de defesa do território amazônico.
“Se há um setor que fala com orgulho e amor da Amazônia, são as Forças Armadas. Mas tem que ter estrutura, apoio, logística. As Forças Armadas têm expertise e interesse em proteger a Amazônia. Não dá para jogar a responsabilidade na instituição se o governo federal não fornece estrutura, interesse, apoio, logística e um trabalho coordenado com os governos estaduais. Se der essas ferramentas para as Forças Armadas, é possível proteger a Amazônia da forma correta”, disse a candidata em entrevista ao programa Central das eleições, da Globo News.
Jair Bolsonaro (PL), na condição de mandatário do executivo e candidato à reeleição, foi o presidente que mais associou a Amazônia aos militares desde a redemocratização, em 1988.
Já em 2019, no início de seu mandato, militares comandavam sete ministérios, entre eles alguns responsáveis por propor projetos para a Amazônia, como Infraestrutura e Minas e Energia, além dos órgãos de proteção da floresta.
Em agosto do mesmo ano, o presidente decretou a Operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), através da qual um efetivo das Forças Armadas passava a ficar à disposição dos governadores da Amazônia Legal, com o intuito de prevenir e combater o desmatamento.
Desde que foi criada no governo Fernando Henrique Cardoso, em 1998, essa foi a primeira vez que uma GLO voltou-se a esse intuito, sendo anteriormente utilizada sobretudo para a segurança de grandes eventos, como a Convenção das Mudanças Climáticas, Eco-92, no Rio de Janeiro.
Com tempo determinado, a primeira GLO ambiental de proteção à Amazônia teve duração entre agosto e outubro de 2019.
Fracasso reconhecido
O vice-presidente, general Hamilton Mourão, assumiu em janeiro de 2020 o Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), criado por Bolsonaro em resposta às pressões internacionais diante do aumento no desmatamento registrado no ano anterior. O CNAL passou a ser a instância aglutinadora das políticas públicas voltadas à Amazônia, com destaque para o combate de ilícitos.
Ainda em 2020, uma nova GLO foi decretada entre maio e junho, sendo posteriormente prorrogada até abril do ano seguinte – desta vez subordinando o trabalho o IBAMA e do ICMBIO aos militares. Uma nova operação ocorreu em 2021, entre junho e outubro.

Em nota à imprensa, o CNAL apresentou resultados positivos da última ação, que atingiu os índices de redução de 5%, no período do PRODES, de 01 agosto 2020 a 31 julho 2021, em relação ao igual período do ano anterior.
Não é possível concluir, porém, que as ações de militares na Amazônia tenham tido um resultado positivo e expressivo no sentido de modificar a realidade do aumento da incidência da devastação e da criminalidade na região.
Dados recentes apontam para um vertiginoso aumento de 65% no desmatamento, constantes invasões de Terras Indígenas, avanço da exploração do território amazônico pelo garimpo e o incremento de emissão de gases do efeito estufa pela queima da floresta.
O próprio vice-presidente assumiu que as ações fracassaram no combate à ilegalidade ambiental na região. “Se você quer um culpado, sou eu. Não vou dizer que foi ministro A, ministro B ou ministro C. Eu não consegui fazer a coordenação e a integração da forma que ela funcionasse”, afirmou o general para a imprensa, após a reunião do Conselho Nacional da Amazônia Legal, em novembro de 2021, no Itamaraty em Brasília.
Segundo dados da nota técnica Amazônia: alocação orçamentária errática, ineficiência das políticas públicas e descontrole do desmatamento divulgada em agosto de 2021 pelo Gabinete Compartilhado as despesas do governo federal com ações tradicionalmente associadas à preservação vêm decaindo desde 2015, partindo de R$1,07 bilhões em 2014 para R$647 milhões em 2020, com valores deflacionados.
Já as missões de Garantia da Lei e da Ordem contaram com expressivo investimento, tendo custado, em números somados de 2019 e 2020, um total de R$529 milhões aos cofres públicos. O documento também aponta que o investimento não resultou na melhoria de nenhum índice na região amazônica.
Por que deu errado?
A pouca efetividade dos resultados da política implementada por Bolsonaro com a presença de militares na Amazônia não surpreendeu especialistas que têm intimidade com a complexidade da floresta e as relações que nela se estabelecem.
Para Miguel Scarcello, secretário-geral da SOS Amazônia, não é de um dia para o outro que se adquire a inteligência necessária para efetivar mudanças em um território como o amazônico, com tantas especificidades.
“Instituições como o ICMBio e o IBAMA , têm uma finalidade já definida dentro do governo. Mesmo com um país com tantos biomas, essas instituições ganham capacidade de conhecimento porque com o tempo elas vão entendendo melhor cada território e, também, a forma mais adequada de atuar, a dinâmica das populações desses territórios, os atores, as práticas que fazem sentido. Eles são essenciais em combinar essa realidade social com o espaço natural que tem que ser protegido e controlado. E essa é uma dinâmica que leva tempo. Tem que capacitar gente para criar modos de treinamento e prevenção. Entender também o funcionamento da própria natureza requer muito estudo e muito conhecimento. Querer a atuação desses órgãos para que o exército entre é algo inaceitável”, sinaliza Scarcello.
Antônio Oviedo, pesquisador do Instituto Socioambiental (ISA) concorda. “As organizações que já atuavam na defesa da Amazônia [como o IBAMA,o ICMbio e a Funai] detinham uma inteligência importante para mapear as áreas mais críticas e oferecer subsídios para as operações de fiscalização”, explica Oviedo, ressaltando ainda que sistemas internacionalmente reconhecidos por sua capacidade de monitoramento, como o sistema PRODES, não tiveram seus dados devidamente usados para a orientar o planejamento das atividades de fiscalização feitas pelos militares.
“Eu acredito, por outro lado que fortalecer entidades como o IBAMA, o ICMbio e a Funai só traz benefícios para a Amazônia porque esses são órgãos que já têm histórico no relacionamento tanto com as populações quanto com os territórios, incluindo aí as Terras Indígenas demarcadas e as Unidades de Conservação”, completa Oviedo.
Para Miguel Scarcello, a ineficiência das ações militares na preservação da maior floresta tropical do planeta não é resultado de incompetência, mas uma escolha institucional que visa o favorecimento de grupos específicos. “O exército não foi construído nem capacitado para ficar fazendo trabalho de conservação na natureza, é inaceitável que isso aconteça com a imposição que está ocorrendo. Eu entendo que seja proposital mesmo, porque isso facilita a ação dos que atuam ilegalmente”, aponta.
Comissão solicita militares para Vale do Javari
Ainda que as ações das Forças Armadas empregadas por Bolsonaro não tenham surtido o efeito esperado, a presença dos militares na Amazônia não é um fator a ser completamente descartado.
A Comissão Temporária sobre a Criminalidade na Região Norte aprovou em seu relatório final no último dia 16/08 a defesa do emprego das Forças Armadas de forma emergencial para garantia da lei e da ordem na região do Vale do Javari e na Terra Indígena Yanomami, onde há invasão crescente de garimpeiros e pescadores ilegais.
O colegiado também propõe alteração na Lei Complementar 97, de 1999, para estabelecer a competência permanente e subsidiária das Forças Armadas para atuar na prevenção e repressão de delitos que atentem contra direitos transindividuais de coletividades indígenas, em acréscimo aos delitos transfronteiriços e ambientais, já previstos na legislação.
Aos candidatos à presidência que tratam do assunto, resta apresentar ao eleitorado detalhes de como pretendem estabelecer a utilização das forças militares na floresta, e como esta podem realizar ações de modo a fortalecer efetivamente a defesa dos territórios e seus habitantes, combatendo o crescente avanço da criminalidade na região.
A assessoria do CNAL foi procurada pela reportagem, mas não se manifestou até o fechamento. Espaço segue aberto.
Por: Débora Pinto
Fonte: O Eco