Incentivadas por Bolsonaro, invasões “engolem” metade dos castanhais de indígenas no AM
Safra da castanha começa em janeiro e está ameaçada por invasores vindos de distrito beneficiado por programa federal

A safra de castanha do Brasil na Terra Indígena (TI) Sepoti, no sul do Amazonas, fica menor a cada ano que passa. Principal fonte de renda do povo Tenharim, o extrativismo ajuda a manter a floresta em pé em pleno arco do desmatamento, mas está ameaçado pelas crescentes invasões.
Lideranças ouvidas pelo Brasil de Fato estimam até 50% dos castanhais manejados há mais de um século pelo povo já tenham sido “engolidos” por grileiros, madeireiros e pecuaristas, que atuam de forma ilegal dentro da TI, demarcada e homologada.
A próxima safra da castanha será coletada entre janeiro e março. Mas os indígenas temem pela segurança de quem vai adentrar na mata para fazer a coleta.
“A gente teme entrar em conflito com os invasores. Os dois lados podem não se entender e acabar acontecendo coisas que a gente não quer”, afirma, apreensivo, Edvaldo Tenharim, vice-cacique da aldeia Estirão Grande e presidente da associação dos Tenharim da TI Sepoti.
Veja os vestígios de invasores flagrados pelos indígenas:

Incursão pelo território revelou invasões
O Conselho Missionário Indigenista (CIMI), em parceria com os indígenas, fez uma incursão pelo território invadido em março deste ano. O grupo mapeou a existência de pontes, estradas e acampamentos feitos invasores e entregou os dados georreferenciados às autoridades federais.
“Tem três fazendas, até com gado, dentro dos nossos castanhais. Sabemos que um castanhal já foi todo queimado, já se foi. Então a gente está num prejuízo incalculável desses danos que continuam aumentando”, afirma Edvaldo Tenharim.
Segundo ele, a cada safra, o grau de dificuldade para acessar os castanhais aumenta. “Aqui o transporte é aquático, por dentro dos igarapés. Os invasores constroem pontes sobre o rio onde a gente vai passar com as canoas. Todo ano a gente tem que ‘torar’ [quebrar] essas pontes”, conta a liderança.
O relatório do Cimi identificou que as estradas ilegais abertas nos castanhais da TI Sepoti têm como origem o distrito de Santo Antônio do Matupi, localizado no km 180 da BR-230, a rodovia Transamazônica. O povoado, abrangido pelo município de Manicoré (AM), nasceu da atividade madeireira ilegal e continua se expandindo para dentro da floresta, impulsionado pela criação de gado.
“O Matupi se tornou um grande problema para nós. A cada ano que se passa está pior, e agora parece que não tem solução. A gente já denunciou para a Funai e para Ministério Público Federal. Até o momento as denúncias estão sem resposta”, afirma Edvaldo.
Invasores foram beneficiados por Bolsonaro
Santo Antônio do Matupi foi um dos primeiros distritos de Manicoré (AM) a ser atendido pelo programa Titula Brasil, implementado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL). Na prática, a iniciativa serviu como incentivo à grilagem ao regularizar terras públicas invadidas.
Após a vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2022, moradores do distrito de Matupi fecharam a BR-230 contra o resultado das urnas, engrossando protestos golpistas protagonizados por latifundiários em diferentes regiões da Amazônia.
Segundo Edvaldo Tenharim, os sucessivos apelos dos indígenas foram ignorados pela Funai. Ele afirma que a atuação do órgão indigenista na região já era deficitária, mas “piorou muito” com o governo Bolsonaro. “Ficou pior porque o governo atual é voltado para o agronegócio”, avalia.
“A Funai local alega que não tem recurso. Foi feito até um levantamento para fazer uma fiscalização com a Polícia Federal [na TI Sepoti]. Quando chegou na data marcada, isso não ocorreu. A Funai de Brasília não disponibilizou recurso”, lamenta a liderança.
“Estamos em cima do que é nosso”
A aldeia Estirão Grande, onde vive Edvaldo Tenharim, é o lar de cerca de 50 indígenas, divididos em 14 famílias. A liderança afirma que os moradores estão dispostos a ir até às últimas consequências contra os invasores. A motivação vem do caráter ancestral da terra, deixada para eles pelos antepassados Tenharim.
“Se deixar levar do jeito que está, daqui 10 anos não existe mais nada [na Terra Indígena]. E aí acaba o povo dessa terra. Nós somos povos de raiz, povos originários daqui. Estamos em cima do que é nosso”, enfatiza Tenharim.
“Essa terra foi uma luta nossa, uma conquista deixada para nós pelos nossos ancestrais. Principalmente pela nossa avó, que lutou muito para esse território ser demarcado. Hoje ela faleceu e está enterrada aqui na nossa aldeia. É toda uma história que está cravada e que a gente vai levar de geração em geração”, garante a liderança indígena.
Outro Lado
A reportagem procurou o governo federal e a Funai. Caso haja resposta, o texto será atualizado.
Por: Murilo Pajolla
Fonte: Brasil de Fato